III - Superiores e Inferiores
FRANÇOIS-NICOLAS-MADELEINE
Cardeal Morlot, Paris, 1863
9
– A autoridade, da mesma maneira que a fortuna, é uma delegação, de que
se pedirá contas a quem dela foi investido. Não creias que ela seja
dada satisfazer ao fútil prazer do mando, nem tampouco, segundo pensa
falsamente a maioria dos poderosos da terra, como um direito ou uma
propriedade. Deus, aliás, tem demonstrado suficientemente que ela não é
nem uma, nem outra coisa, desde que a retira quando bem lhe apraz. Se
fosse um privilégio inerente à pessoa que a exerce, seria inalienável.
Ninguém pode dizer, entretanto, que uma coisa lhe pertence, quando pode
ser tirada sem o seu consentimento. Deus concede autoridade a título de
missão ou de prova, conforme lhe convém, e da mesma forma a retira.
O
depositário da autoridade,de qualquer extensão que esta seja, desde a
do senhor sobre o escravo até a do soberano sobre o povo, não deve
esquivar-se à responsabilidade de um encarregado de almas, pois
responderá pela boa ou má orientação que der aos seus subordinados, e as
faltas que estes puderem cometer, os vícios a que forem arrastados em
conseqüência dessa orientação ou dos maus exemplos recebidos,
recairão sobre ele. Da mesma maneira, colherá os frutos de sua
solicitude, por conduzi-los ao bem. Todo homem tem, sobre a Terra, uma
pequena ou uma grande missão. Qualquer que ela seja, sempre lhe é dada
para o bem. Desviá-la, pois, do seu sentido, é fracassar no seu
cumprimento.
Se
Deus pergunta ao rico: Que fizeste da fortuna que devia ser em tuas
mãos uma fonte espalhando a fecundidade em seu redor? Também perguntará
ao que possui alguma autoridade: Que uso fizeste dessa autoridade? Que
males impediste? Que progressos impulsionaste? Se te dei subordinados,
não foi para torná-los escravos da tua vontade, nem dóceis instrumentos
dos teus caprichos e da tua cupidez; se te fiz forte e te confiei os
fracos, foi para que os amparasses e os ajudasses a subir até mim.
O
superior que guardou as palavras do Cristo, não despreza a nenhum dos
seus subordinados, porque sabe que as distinções sociais não subsistem
diante de Deus. O Espiritismo lhe ensina que, se eles hoje o obedecem,
na verdade já podem tê-lo dirigido, ou poderão dirigi-lo mais tarde, e
que então será tratado como por sua vez os tratou.
Se
o superior tem deveres a cumprir, o inferior também os tem de sua
parte, e não são menos sagrados. Se também este é espírita, sua
consciência lhe dirá, ainda mais fortemente, que não está dispensado de
cumpri-los, mesmo que o seu chefe não cumpra os dele, porque sabe que
não deve pagar o mal com o mal, e que as faltas de uns não autorizam as
de outros. Se sofre na sua posição, dirá que sem dúvida o mereceu,
porque ele mesmo talvez tenha abusado outrora de sua autoridade, devendo
agora sentir os inconvenientes do que fez os outros sofrerem. Se for
obrigado a suportar essas posições, na falta de outra melhor, o
Espiritismo lhe ensina a resignar-se a isso, como a uma prova a sua
humildade, necessária ao seu adiantamento. Sua crença o guia na sua
conduta: ele age como desejaria que os seus subordinados agissem com
ele, caso fosse o chefe. Por isso mesmo é mais escrupuloso no
cumprimento das obrigações, pois compreende que toda negligência no
trabalho que lhe foi confiado será um prejuízo para aquele que o
remunera, e a quem deve o seu tempo e os seus cuidados. Numa palavra,
ele é guiado pelo sentimento do dever que a sua fé lhe infunde, e a
certeza de que todo desvio do caminho reto será uma dívida, que terá de
pagar mais cedo ou mais tarde.
Nenhum comentário:
Postar um comentário