Agora que a produção literária mediúnica, veiculada pelo lápis de Francisco Cândido Xavier, conquistou o respeito de eminentes vultos das nossas letras, inclusive o maior dos críticos brasileiros, Agrippino Grieco, cabe aqui um despretensioso, mas sincero apelo a todas as almas bem formadas que hajam percorrido as páginas de tais trabalhos, no sentido de não acolherem as injustíssimas suspeitas que pessoas menos tolerantes atiram sobre os sentimentos e honorabilidade intelectual daquele médium.
A palavra Espiritismo não deve constituir motivo de anátema, por isso que não retira da criatura a condição de filho e crente no mesmo Deus supremo das religiões. A faculdade mediúnica não é um característico de seita religiosa, que inscreve a criatura no rol dos espíritas ou na nomenclatura dos epilépticos.
Dom indefinido ainda, porque só se lhe conhecem os efeitos, com ele vêm à vida terrena seres que adotam na maturidade ideias diversíssimas em matéria de crença, sem que esses antagonismos – meramente individuais – alterem no mínimo a dita faculdade espiritual.
Manifestações mediúnicas têm sido observadas em pessoas inteiramente alheias às doutrinas codificadas por Allan Kardec, sem distinção de credo ou idade.
Eloquente exemplo – pelo valor da insuspeição – é o de Pio IX, o glorioso pontífice a cuja envergadura política se deve a honrosa atitude da Igreja Romana, quando vencida e despojada do Poder Temporal pelos heróis da unificação italiana.
Pio IX (Veja-se o livro de Villefranche, Pio IX, Lisboa, 1877, cap. I) foi médium, cuja impulsividade característica está estampada em muitos dos incidentes da sua vida.
Ao sair da infância, começaram as primeiras manifestações da sua mediunidade, sendo tomado pelos Espíritos, de modo a alarmar a família.
Entregue aos cuidados médicos, estes diagnosticaram a indefectível... epilepsia, declarando-o incurável. Valeu-o a dedicação ilimitada de sua extremosa genitora, que, à força de orações e cuidados de toda ordem, conseguiu atenuar a ação dos Espíritos, permitindo que o futuro pontífice pudesse ingressar na carreira eclesiástica, na qual contaria com a proteção do seu parente Pio VII, então ocupante do Vaticano, apesar do exílio a que o obrigara a violência de Napoleão I.
Mas, apesar da atenuação das influências dos Espíritos, o então padre João Maria Mastai ainda era sujeito a manifestações mediúnicas, razão por que só lhe era permitido celebrar missa acompanhado por outro sacerdote (possivelmente na previsão de que fosse acometido de intempestivo transe mediúnico, isto é, "ataque epiléptico", que viesse interromper a cerimônia). Nada impediu, no entanto, que fosse um homem lúcido e culto, um grande pontífice, mesmo dentro da condição de médium.
Outro exemplo – de igual relevo na insuspeição – é o de William Stainton Moses, notável pastor protestante que foi um robusto e fecundo talento, aliado a invulgar integridade de caráter, qualidades que demonstrou desde os bancos colegiais e lhe deram excepcional prestígio em todos os postos que ocupou, tanto nos curatos, quanto no magistério.
Abandonando as atividades habituais, por motivo de saúde, teve a atenção despertada por pessoas amigas para os fenômenos chamados espiritualistas, e buscando estudá-los, a pedido de uma dessas pessoas, as suas próprias faculdades mediúnicas despertaram, em razão do que recebeu, psicograficamente, notabilíssimas mensagens (reunidas no volume Ensinos Espiritualistas*).
Dotado de sólida instrução, conhecendo a Bíblia e a teologia luterana proficientemente, Stainton Moses não se deixou vencer pelas primeiras manifestações dos Espíritos.
Bem ao contrário, ele debateu o assunto com a erudição e amplitude que seus cabedais permitiam, elucidando sob o ponto de vista filosófico todos os antagonismos surgidos entre a doutrina dos Espíritos e os preconceitos de que partilhava, aprendidos na hermenêutica exegética dos teólogos mais eminentes.
Recebendo cada uma das mensagens doutrinárias, Staiton Moses opunha, mentalmente, argumentos sólidos contra esses ensinamentos; mas, tão depressa os formulava, o Espírito manifestante dava, pelo lápis do próprio Moses, a resposta categórica, erudita, irrespondível.
Embora dotado de tão prodigiosa quanto incompreendida faculdade, Stainton Moses não perdeu a personalidade de homem, e muito se fez querido e útil, pelos grandes e meritórios atos de altruísmo que praticou, socorrendo e ajudando espiritual e materialmente quantos recorriam à sua beneficência e aos seus conselhos de sadia moral, e ainda fundando várias instituições (a Aliança Espiritualista de Londres é de sua criação) que tiveram grande destaque nos trabalhos e estudos levados a efeito.
Assim em todos os casos de mediunidade; o indivíduo não dissolve a sua própria personalidade, exerça ou não ostensivamente, conheça ou ignore o dom de que é possuidor.
Grandes vultos da ciência, da literatura e da política têm sido dotados da faculdade mediúnica, e, embora não a empregassem no sentido religioso, na comunicação afetuosa com os Espíritos, dentro das normas da Caridade cristã – nem por isso deixaram de apresentar os nítidos traços de qualidades excepcionais, acima do comum das criaturas.
Joaquim Murtinho, a iluminada cerebração que o Brasil ainda não soube admirar nos seus justos termos, foi médium, e dos mais notáveis, porque, dispondo de cultura profundíssima, teve ensejo de servir particularmente a muitos milhares de enfermos e coletivamente ao Brasil – àqueles curando-lhes as enfermidades, à Pátria injetando sangue novo nas artérias anêmicas da circulação fiduciária – quando geriu de forma inigualada a pasta das finanças nacionais.
Médico, legou valioso cabedal à Homeopatia; Economista, descobriu a fórmula do nosso mercado cambial. Suas curas ficaram célebres, e seu nome se tornou conhecido em todos os centros médicos do mundo, onde chegaram notícias dos diagnósticos videntes que formulava sem a menor dificuldade. Seus dedos maravilhosamente dotados, levavam fluidos curadores aos organismos enfermos, e muitas vezes o doente sorria aliviado, com essa simples auscultação digital de prodigioso efeito. Seu olhar e sua palavra tinham o magnetismo misterioso, típico da mediunidade; aquele possuía irresistível poder magnético; a sua voz o dom de infundir confiança.
No entanto, o grande patrício não deixou de viver a sua existência bem humana, sem laivos de santidade, de sectarismo ou de sintomas de alucinações epilépticas.
Assim também passaram mediunicamente desconhecidos Quintino Bocaiuva, Nilo Peçanha, Olavo Bilac, Coelho Neto, Machado de Assis, e tantos outros, que haviam trazido para a vida terreal esse dom divino, que constitui o verdadeiro elo de ligação entre a Terra e o Infinito.
E, no entanto, quanto sofreram, isoladamente no quadro de suas condições individuais, no corpo e na Alma, talvez porque não conheceram as leis da mediunidade?
Francisco Cândido Xavier é um Espírito reencarnado para a grande missão de espargir as luzes da Verdade universal, sob a égide protetora e vigilante de verdadeiros Amigos, missionários da nova catequese nas terras de Santa Cruz.
Surgindo em modesto recanto de Minas Gerais, em Pedro Leopoldo, assim o foi para que a humildade lhe selasse o passaporte de entrada na existência humana, e assim obscura a sua personalidade servisse melhor para exteriorizar as rutilâncias do que recebesse do Além.
Fracamente instruído, pois as escolas de uma vila não podem ensinar senão coisas elementares, nunca lhe foi dado sair dali para frequentar cursos secundários e superiores – tudo para que não pudesse colaborar com os seus conhecimentos nas formidáveis produções escritas pelo seu lápis – com a genialidade dos Espíritos.
Começando a trabalhar nos rudes misteres de empregado de armazém típica e rusticamente matuto, assim devia ser, para que a sua personalidade não conhecesse nem afeiçoasse dissolventes encantos dos magazines das metrópoles.
Ligado a uma família paupérrima, e relativamente numerosa, que era mister ajudar no ganho do pão cotidiano, Francisco Cândido Xavier não teve tempo de pensar nas coisas tafuis da indumentária ou nos divertimentos da juventude.
Menino, começou a trabalhar, e assim cresceu, simples, desprendido, modesto, pobre e feliz de Alma.
Quando o grande vespertino O Globo, desta capital, fez junto de Francisco Cândido Xavier a mais sensacional reportagem registrada nos anais do pisquismo, as numerosas testemunhas ficavam estupefatas – verificando que o médium era um desmentido vivo à própria produção do seu lápis, tão modesto ele, e tão grandiosas as mensagens recebidas. Os olhos viam e as inteligências comparavam: tinha os pés metidos em tamancos e a cabeça mergulhada nas claridades do Infinito!
De uma feita, nessa reportagem, escreveu – DO FIM PARA O PRINCÍPIO – um trecho em inglês (idioma ignorado do médium), trecho que só pode ser lido com auxílio de espelho refletindo o positivo do original negativo.
De fins de abril a meados de julho de 1935, Clementino de Alencar, o talentoso e imparcialíssimo repórter destacado, manteve os leitores de O Globo enlevados com a narrativa e documentação da maravilhosa mediunidade de Francisco Cândido Xavier, inclusive com a comprovação fotográfica dos aspectos mais importantes a realçar no caso, onde se constatou a possibilidade de obter desde os sonetos inconfundíveis de Augusto dos Anjos até respostas eruditas sobre problemas da Medicina, inclusive a inimitável elucidação que o Espírito de Emmanuel deu sobre as causas possíveis do diabetes.
Apesar, porém, da retumbância e da notoriedade advindas dessa reportagem, Francisco Cândido Xavier continuou simples, desambicioso, modesto, mourejador.
Escrevendo por seu lápis o Parnaso de Além-Túmulo**, livro único, sem igual e sem rival na literatura do mundo, outro, que não estivesse resguardado pelas forças de Espíritos muito amigos e bons, teria resvalado para a vaidosa celebridade – derivada daquelas páginas – onde estão identificados, irrespondivelmente, os maiores dos nossos poetas desencarnados, de estilo inconfundível e cujos versos mediúnicos os negadores sistemáticos ficam reptados a imitar, sem decalque.
Mas, nem esse, nem os outros livros psicografados alteraram o feitio de Francisco Cândido Xavier. Continua não aceitando – NEM MESMO INDIRETAMENTE – qualquer dádiva em troca ou retribuição da sua mediunidade.
Podendo estar a caminho de um sólido pecúlio, com os direitos autorais das suas produções editadas jamais recebeu – NEM ADMITE QUE TAL SE LHE PROPONHA – um níquel sequer a esse ou outro pretexto em que entre a sua faculdade mediúnica.
Vive exclusivamente de modesto ordenado do seu trabalho (pouco mais de duas centenas de mil réis mensais), e que destina fielmente ao sustento de pais e irmãos, de vez que o seu genitor tem escasso provento da atividade que exerce.
Quiçá exceda da oportunidade de um livro destes moldes os detalhes domésticos da personalidade do médium Francisco Cândido Xavier; mas, dói profundamente ler as injustiças e as descortesias escritas contra um moço digno da maior estima e da mais irrestrita admiração no terreno da espiritualidade.
Francisco Cândido Xavier, saiba-o o Brasil inteiro, creiam-no as pessoas bondosas, tolerantes, de boa-fé, que bem avaliem o exato amor da família, é um filho exemplar, irmão carinhoso, amigo prestativo, alma compassiva, desambicioso, simples em tudo, enfim, uma verdadeira alma angélica – amortalhada num corpo de homem.
Não é um santo – de jejuns e camândulas na mão; mas não tem nenhum dos defeitos próprios de uma criatura humana.
É um médium verdadeiro, eis a sua única e maior definição.
Várias tentativas foram feitas, no sentido de arrancá-lo do lugarejo onde vive e ganha o pão com o suor do rosto. Empregos com pingues ordenados, instalações de requintado conforto, tudo lhe tem sido posto ante os olhos, com idôneas garantias. Tudo recusou serenamente, convictamente, porque sente a sua condição de médium em ininterrupta ligação com eminentes e poderosas entidades do Além.
Infelizmente, um apelo em favor da verdade em torno de Francisco Cândido Xavier, não poderá dar fruto sazonado, enquanto os preconceitos das religiões e das ideias prévias atribuirem aos médiuns ligações infernais com Satanás ou manifestações mórbidas, quando não manobras burlosas e especuladoras.
A realidade, porém, é que o dom mediúnico não escolhe preferencialmente uma determinada seita.
D. Ana Prado, a célebre médium que irradiou da Capital paraense para o mundo inteiro estupefacientes fenômenos de materialização, era católica, apostólica romana, e somente para atender a desejos do esposo acedia em tal.
Muitas vezes, foi chorando que ela se encaminhou para a sala das sessões mediúnicas então realizadas, sem que se saiba se esse pranto obedecia à repulsa ignota do seu próprio Espírito ou à lembrança do seu mentor eclesiástico – que lhe acenava com o inferno, por motivo das materializações a que ela se prestava.
Hoje, no mundo da eterna verdade, a nobre e gloriosa senhora sabe, melhor que os pobres comentadores, qual das duas coisas teve mais valor, se os fenômenos produzidos ou se as lágrimas vertidas.
Assim o mansueto Francisco Cândido Xavier, recebendo os calhaus das injúrias, os pontapés das ingratidões, repelindo as tentações das riquezas que lhe oferecem, continuando abraçado ao lenho da sua missão, no calvário de rosas da sua vida de novo apóstolo da palavra dos Espíritos, erguido na Galileia mineira do seu nascimento, prosseguirá servindo à boa causa dos Mensageiros do Cristo, sem se emocionar com a grita da turba na pretoria da Intolerância aonde são levados os inocentes e os humildes de coração.
De uma circunstância podem todos estar certos: a cada salto da víbora da calúnia, a cada injustiça que lhe acendem nos foguetes da injúria, ele sorri, numa expressão meiga e infantil, e diz:
– Que Jesus lhes perdoe, porque não sabem o que estão fazendo!
Almerindo Martins de Castro
Rio de Janeiro, 1940***
Livro: Novas Mensagens
Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Humberto de Campos,
apêndice de Almerindo Martins de Castro
FEB – Federação Espírita Brasileira
Notas de Fernando Peron (outubro de 2011):
(*) – Livro: Ensinos Espiritualistas. W. Stainton Moses (A. Oxon). FEB - Federação Espírita Brasileira.
(**) – Livro: Parnaso de Além-Túmulo. Francisco Cândido Xavier, por Espíritos Diversos. FEB – Federação Espírita Brasileira. Lançado em 1932, quando o médium estava com apenas 22 anos de idade.
(***) – Quando este texto foi escrito, Chico Xavier tinha 30 anos de idade.
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