I – Perdão das Ofensas
SIMEÃO
Bordeaux, 1862
14 –
Quantas vezes perdoarei ao meu irmão? Perdoá-lo-eis, não sete vezes,
mas setenta vezes sete. Eis um desses ensinos de Jesus que devem calar
em vossa inteligência e falar bem alto ao vosso coração. Comparai essas
palavras misericordiosas com a oração tão simples, tão resumida, e ao
mesmo tempo tão grande nas suas aspirações, que Jesus ensinou aos
discípulos, e encontrareis sempre o mesmo pensamento. Jesus, o justo por
excelência, responde a Pedro: Perdoarás, mas sem limites; perdoarás
cada ofensa, tantas vezes quantas ela vos for feita; ensinarás a teus
irmãos esse esquecimento de si mesmo, que nos torna invulneráveis às
agressões, aos maus tratos e às injúrias, serás doce e humilde de
coração, não medindo jamais a mansuetude; e farás, enfim, para os
outros, o que desejas que o Pai celeste faça por ti. Não tem Ele de te
perdoar sempre, e acaso conta o número de vezes que o seu perdão vem
apagar as tuas faltas?
Ouvi,
pois essa resposta de Jesus, e como Pedro, aplicai-a a vós mesmos.
Perdoai, usai a indulgência, sede caridosos, generosos, e até mesmo
pródigos no vosso amor. Daí, porque o Senhor vos dará; abaixai-vos, que o
Senhor vos levantará; humilhai-vos, que o Senhor vos fará sentar à sua
direita.
Ide,
meus bem-amados, estudai e comentai essas palavras que vos dirijo, da
parte daquele que, do alto dos esplendores celestes, tem sempre os
olhos voltados para vós, e continua com amor a tarefa ingrata que
começou há dezoito séculos. Perdoai, pois, os vossos irmãos, como
tendes necessidade de ser perdoados. Se os seus atos vos prejudicaram
pessoalmente, eis um motivo a mais para serdes indulgentes, porque o
mérito do perdão é proporcional à gravidade do mal, e não haveria nenhum
em passar por alto os erros de vossos irmãos, se estes apenas vos
incomodassem de leve.
Espíritas,
não vos olvideis de que, tanto em palavras como em atos, o perdão das
injúrias nunca deve reduzir-se a uma expressão vazia. Se vos dizeis
espíritas, sede-o de fato: esquecei o mal que vos tenham feito, e pensai
apenas numa coisa: no bem que possais fazer. Aquele que entrou nesse
caminho não deve afastar-se dele, nem mesmo em pensamento, pois sois
responsáveis pelos vossos pensamentos, que Deus conhece. Fazei, pois,
que eles sejam desprovidos de qualquer sentimento de rancor. Deus sabe o
que existe no fundo do coração de cada um. Feliz aquele que pode dizer
cada noite, ao dormir: Nada tenho contra o meu próximo.
*
PAULO
Apóstolo, Lyon, 1861
15 –
Perdoar aos inimigos é pedir perdão para si mesmo; perdoar aos amigos é
dar prova de amizade; perdoar as ofensas é mostrar que se melhora.
Perdoai, pois, meus amigos, para que Deus vos perdoe. Porque, se fordes
duros, exigentes, inflexíveis, se guardardes até mesmo uma ligeira
ofensa, como quereis que Deus esqueça que todos os dias tendes grande
necessidade de indulgência? Oh, infeliz daquele que diz: Eu jamais
perdoarei, porque pronuncia a sua própria condenação! Quem sabe se,
mergulhando em vós mesmos, não descobrireis que fostes o agressor? Quem
sabe se, nessa luta que começa por um simples aborrecimento e acaba
pela desavença, não fostes vós a dar o primeiro golpe? Se não vos
escapou uma palavra ferina? Se usaste de toda a moderação necessária?
Sem dúvida o vosso adversário está errado ao se mostrar tão suscetível,
mas essa é ainda uma razão para serdes indulgentes, e para não merecer
ele a vossa reprovação. Admitamos que fosseis realmente o ofendido, em
certa circunstância. Quem sabe se não envenenastes o caso com
represálias, fazendo degenerar numa disputa grave aquilo que facilmente
poderia cair no esquecimento? Se dependeu de vós impedir as
conseqüências, e não o fizestes, sois realmente culpado. Admitamos
ainda que nada tendes a reprovar na vossa conduta, e, nesse caso, maior
o vosso mérito, se vos mostrardes clemente.
Mas
há duas maneiras bem diferentes de perdoar: há o perdão dos lábios e o
perdão do coração. Muitos dizem do adversário: “Eu o perdôo”, enquanto
que, interiormente, experimentam um secreto prazer pelo mal que lhe
acontece, dizendo-se a si mesmo que foi bem merecido. Quantos dizem:
“Perdôo”, e acrescentam: “mas jamais me reconciliarei; não quero vê-lo
pelo resto da vida”! É esse o perdão segundo o Evangelho? Não. O
verdadeiro perdão, o perdão cristão, é aquele que lança um véu sobre o
passado. É o único que vos será levado em conta, pois Deus não se
contenta com as aparências: sonda o fundo dos corações e os mais
secretos pensamentos, e não se satisfaz com palavras e simples
fingimentos. O esquecimento completo e absoluto das ofensas é próprio
das grandes almas; o rancor é sempre um sinal de baixeza e de
inferioridade. Não esqueçais que o verdadeiro perdão se reconhece pelos
atos, muito mais que pelas palavras.
O Evangelho Segundo o Espiritismo - Cap. 10
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