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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

DESENCARNES COLETIVOS

Todas as leis que regem o Universo, quer sejam físicas ou morais, materiais ou intelectuais, foram descobertas, estudadas, compreendidas, procedendo do estudo e da individualidade, e do da família à de todo o conjunto, generalizando-as gradualmente, e constatando-lhe a universalidade dos resultados.
Ocorre o mesmo hoje para as leis que o estudo do Espiritismo vos faz conhecer; podeis aplicar, sem medo de errar, as leis que regem a família, a nação, as raças, o conjunto de habitantes dos mundos, que são individualidades coletivas. As faltas dos indivíduos, as da família, as da nação, e cada uma, qualquer que seja o seu caráter, se expiam em virtude da mesma lei. O carrasco expia para com a sua vítima, seja achando-se em sua presença no espaço, seja vivendo em contato com ela numa ou várias existências sucessivas, até à reparação de todo o mal cometido, Ocorre o mesmo quando se trata de crimes cometidos solidariamente, por um certo número; as expiações são solidárias, o que não aniquila a expiação simultânea das faltas individuais.
Em todo homem há três caracteres: o do indivíduo, do ser em si mesmo: o de membro de família, e, enfim, o de cidadão; sob cada uma dessas três faces pode ser criminoso ou virtuoso, quer dizer, pode ser virtuoso como pai de família, ao mesmo tempo que criminoso como cidadão, e reciprocamente; daí as situações especiais que lhe são dadas em suas existências sucessivas. Salvo exceção, pode-se admitir como regra geral que todos aqueles que têm uma tarefa comum reunidos numa existência, já viveram juntos para trabalharem pelo mesmo resultado, e se acharão reunidos ainda no futuro, até que tenham alcançado o objetivo, quer dizer, expiado o passado, ou cumprido a missão aceita.
Graças ao Espiritismo, compreendeis agora a justiça das provas que não resultam de atos da vida presente, porque já vos foi dito que é a quitação de dívidas do passado; por que não ocorreria o mesmo com as provas coletivas? Dissestes que as infelicidades gerais atingem o inocente como o culpado; mas sabeis que o inocente de hoje pode ter sido o culpado de ontem? Que tenha sido atingido individualmente ou coletivamente, é que o mereceu. E, depois, como dissemos, há faltas do indivíduo e do cidadão; a expiação de umas não livra da expiação das outras, porque é necessário que toda dívida seja paga até o último centavo. As virtudes da vida privada não são as da vida pública; um, que é excelente cidadão, pode ser muito mau pai de família, e outro, que é bom pai de família, probo e honesto em seus negócios, pode ser um mau cidadão, ter soprado o fogo da discórdia, oprimido o fraco, manchado as mãos em crimes de lesa-sociedade. São essas faltas coletivas que são expiadas coletivamente pelos indivíduos que para elas concorreram, os quais se reencontram para sofrerem juntos a pena de talião, ou ter a ocasião de repararem o mal que fizeram, provando o seu devotamento à coisa pública, socorrendo e assistindo aqueles que outrora maltrataram. O que é incompreensível, inconciliável com a justiça de Deus, sem a preexistência da alma, se torna claro e lógico pelo conhecimento dessa lei.
A solidariedade, que é o verdadeiro laço social, não está, pois, só para o presente; ela se estende no passado e no futuro, uma vez que as mesmas individualidades se encontraram, se reencontram e se encontrarão para subirem juntas a escala do progresso, prestando-se concurso mútuo. Eis o que o Espiritismo faz compreender pela equitativa lei da reencarnação e a continuidade das relações entre os mesmos seres.



NOTA: Se bem que esta comunicação entre nos princípios conhecidos da responsabilidade do passado, e da continuidade das relações entre os Espíritos, ela encerra uma idéia de alguma sorte nova e de grande importância. A distinção que estabelece entre a responsabilidade das faltas individuais ou coletivas, as da vida privada e da vida pública, dá a razão de certos fatos ainda pouco compreendidos, e mostra, de maneira mais precisa, a solidariedade que liga os seres uns aos outros, e as gerações entre si.
Assim, freqüentemente, renascem na mesma família, ou pelo menos os membros de uma mesma família renascem juntos para nela constituírem uma nova, numa outra posição social, a fim de estreitarem os seus laços de afeição, ou repararem os seus erros recíprocos. Pelas considerações de uma ordem mais geral, freqüentemente, se renasce no mesmo meio, na mesma nação, na mesma raça, seja por simpatia, seja para continuar, com os elementos já elaborados, os estudos que se fizeram, se aperfeiçoar, prosseguir os trabalhos começados, que a brevidade da vida, ou as circunstâncias, não permitiram terminar. Essa reencarnação no mesmo meio é a causa do caráter distintivo de povos e de raças; tudo melhorando, os indivíduos conservam a nuança primitiva, até que o progresso os haja transformado completamente.
Os Franceses de hoje são, pois, os do último século, os da Idade Média, os dos tempos druídicos; são os cobradores de impostos ou as vítimas do feudalismo; aqueles que serviram os povos e aqueles que trabalharam pela sua emancipação, que se reencontram na França transformada, onde uns expiam no rebaixamento de seu orgulho de raça, e onde os outros gozam o fruto dos seus trabalhos. Quando se pensa em todos os crimes desses tempos em que a vida dos homens e a honra das famílias eram contadas por nada, em que o fanatismo erguia fogueiras em honra da divindade, em todos os abusos de poder, em todas as injustiças que se cometiam com desprezo dos mais sagrados direitos, quem pode estar certo de nisso não ter, mais ou menos, manchado as mãos, e deve-se admirar de ver as grandes e terríveis expiações coletivas?
Mas dessas convulsões sociais sai sempre uma melhora; os Espíritos se esclarecem pela experiência; a infelicidade é o estímulo que os impele a procurar um remédio para o mal; eles refletem na erraticidade, tomam novas resoluções, e quando retornam, fazem melhor. É assim que se realiza o progresso, de geração em geração.
Não se pode duvidar de que haja famílias, cidades, nações, raças culpadas porque, dominadas pelos instintos do orgulho, do egoísmo, da ambição, da cupidez, caminham em má senda e fazem coletivamente o que um indivíduo faz isoladamente; uma família se enriquece às expensas de uma outra família; um povo subjuga um outro povo, e leva-lhe a desolação e a ruína; uma raça quer aniquilar uma outra raça. Eis por que há famílias, povos e raças sobre os quais cai a pena de talião.
“Quem matou pela espada perecerá pela espada,” disse o Cristo; estas palavras podem ser traduzidas assim: Aquele que derramou sangue verá o seu derramado; aquele que passeou a tocha do incêndio em casa de outrem, verá a tocha do incêndio passear em sua casa; aquele que despojou, será despojado; aquele que subjugou e maltratou o fraco, será fraco, subjugado e maltratado, por sua vez, quer seja um indivíduo, uma nação ou uma raça, porque os membros de uma individualidade coletiva são solidários do bem como do mal que se faz em comum.
Ao passo que o Espiritismo alarga o campo da solidariedade, o materialismo o reduz às mesquinhas proporções da existência efêmera do homem; faz dela um dever social sem raízes, sem outra sanção senão a boa vontade e o interesse pessoal do momento; é uma teoria, uma máxima filosófica, da qual nada impõe a prática; para o Espiritismo, a solidariedade é um fato que se assenta sobre uma lei universal e natural, que liga todos os seres do passado, do presente e do futuro, e às conseqüências da qual ninguém pode se subtrair. Eis o que todo homem pode compreender, por pouco letrado que seja.
Quando todos os homens compreenderem o Espiritismo, compreenderão a verdadeira solidariedade e, em conseqüência, a verdadeira fraternidade. A solidariedade e a fraternidade não serão mais deveres circunstanciais que cada um prega, muito freqüentemente, mais em seu próprio interesse do que no de outrem. O reino da solidariedade e da fraternidade será, forçosamente, o da justiça para todos, e o reino da justiça será o da paz e da harmonia entre os indivíduos, as famílias, os povos e as raças. Ali se chegará? Duvidar disso seria negar o progresso. Comparando-se a sociedade atual, entre as nações civilizadas, ao que era na Idade Média, certamente, a diferença é grande; se, pois, os homens caminharam até aqui, por que se deteriam? Ao ver o caminho que fizeram num século somente, pode-se julgar daquele que farão daqui a um outro século.
As convulsões sociais são as revoltas dos Espíritos encarnados contra o mal que os oprime, o indício de suas aspirações com relação a esse mesmo reino de justiça do qual têm sede, sem, todavia, se darem uma conta bem nítida do que querem e dos meios para a isso chegar; é por que se movimentam, se agitam, destroem a torto e a direito, criam sistemas, propõem remédios mais ou menos utópicos, cometem mesmo mil injustiças, supostamente pelo espírito de justiça, esperando que desse movimento sairá talvez alguma coisa. Mais tarde, definirão melhor as suas aspirações, e o caminho se lhes clareará.
Quem vai ao fundo dos princípios do Espiritismo filosófico, considera os horizontes que descobre, as idéias que faz nascer e os sentimentos que desenvolve, não poderia duvidar da parte preponderante que ele deve ter na regeneração, porque conduz precisamente, e pela força das coisas, ao objetivo aspirado pela Humanidade: o reino de justiça pela extinção dos abusos que lhe detiveram o progresso, e pela moralização das massas. Se aqueles que sonham com a manutenção do passado não o julgam assim, não se obstinariam tanto junto dele; deixá-lo-iam morrer de morte natural, como ocorreu com muitas utopias. Só isso deveria dar a pensar a certos zombadores que devem nele ver alguma coisa de mais séria do que não imaginam. Mas há pessoas que riem de tudo, que ririam de Deus se o vissem sobre a Terra. Depois, há aqueles que têm medo de se erguer, diante deles, a alma que se obstinam em negar.
Qualquer que seja a influência que o Espiritismo deva exercer sobre o futuro das sociedades, isso não quer dizer que substituirá sua autocracia por uma outra autocracia, nem que não imporá leis; primeiro, porque, proclamando o direito absoluto de liberdade de consciência e do livre exame em matéria de fé, como crença ele quer ser livremente aceito, por convicção e não por constrangimento; pela sua natureza, não pode e nem deve exercer nenhuma pressão; proscrevendo a fé cega, quer ser compreendido; para ele, nunca há mistérios, mas uma fé raciocinada, apoiada sobre os fatos, e que quer a luz; não repudia nenhuma das descobertas da ciência, tendo em vista que a ciência é a compilação das leis da Natureza, e que, sendo essas leis de Deus, repudiar a ciência seria repudiar a obra de Deus.
Em segundo lugar, a ação do Espiritismo , estando em seu poder moralizador, não pode assumir nenhuma forma autocrática, porque então faria o que condena. Sua influência será preponderante pelas modificações que trará nas idéias, nas opiniões, no caráter, nos hábitos dos homens e nas relações sociais; essa influência será tanto maior quanto ela não for imposta. O Espiritismo, poderoso como filosofia, não poderia senão perder, neste século de raciocínio, transformando-se em poder temporal. Não será, pois, ele que fará as instituições do mundo regenerado; serão os homens que as farão sob o império das idéias de justiça, de caridade, de fraternidade e de solidariedade melhor compreendidas, por efeito do Espiritismo.
O Espiritismo, essencialmente positivo em suas crenças, repele todo misticismo, a menos que se não estenda esse nome, como o fazem aqueles que não crêem em nada, a toda idéia espiritualista, à crença em Deus, na alma e na vida futura. Leva, certamente, os homens a se ocuparem seriamente da vida espiritual, porque é a vida normal, e que é lá que devem cumprir sua destinação, uma vez que a vida terrestre não é senão transitória e passageira; pelas provas que dá da vida espiritual, lhes ensina a não darem, às coisas deste mundo, senão uma importância relativa, e por aí lhes dá a força e a coragem para suportarem, pacientemente, as vicissitudes da vida terrestre; mas ensinando-lhes que, morrendo, não deixam este mundo sem retorno; que podem aqui voltar a aperfeiçoar a sua educação intelectual e moral, a menos que não estejam bastante avançados para merecerem ir para um mundo melhor; que os trabalhos e os progressos que aqui realizam, ou aqui fazem realizar, lhes aproveitarão a si mesmos, melhorando a sua posição futura, e mostrar-lhes que têm todo o interesse em não o negligenciarem; se lhes repugna aqui voltar, como têm o seu livre arbítrio, depende deles fazer o que é necessário para ir alhures; mas que não se iludam sobre as condições que podem lhes merecer uma mudança de residência! Não será com a ajuda de algumas fórmulas, em palavras ou em ações, que a obterão, mas por uma reforma séria e radical de suas imperfeições; é se modificando, se despojando de suas más paixões, adquirindo cada dia novas qualidades; ensinando a todos, pelo exemplo, a linha de conduta que deve conduzir solidariamente todos os homens para a felicidade, pela fraternidade, pela tolerância e pelo amor.
A Humanidade se compõe de personalidades que constituem as existências individuais, e de gerações que constituem as existências coletivas. Ambas caminham para o progresso, por fases variadas de provas que são, assim, individuais para as pessoas e coletivas para as gerações. Do mesmo modo que, para o encarnado, cada existência é um passo à frente, cada geração marca uma etapa de progresso para o conjunto; é esse progresso do conjunto que é irresistivel, e arrasta as massas ao mesmo tempo que modifica e transforma em instrumento de regeneração os erros e os preconceitos de um passado chamado a desaparecer. Ora, como as gerações são compostas de indivíduos que já viveram nas gerações precedentes, o progresso das gerações é, assim, a resultante do progresso dos indivíduos.
Mas quem me demonstrará, dir-se-á talvez, a solidariedade que existe entre a geração atual e as gerações que a precederam, ou que a seguirão? Como se poderia me provar que já vivi na Idade Média, por exemplo, e que retornarei a tomar parte nos acontecimentos que se cumprirão na continuação dos tempos?
O princípio da pluralidade das existências, freqüentemente, foi bastante demonstrado na Revista, e nas obras fundamentais da Doutrina, para que não nos detenhamos aqui sobre ele; a experiência e a observação dos fatos da vida diária fornecem provas físicas e de uma demonstração quase matemática. Convidamos somente os pensadores a se prenderem às provas morais resultantes do raciocínio e da indução.
É absolutamente necessário ver uma coisa para nela crer? Vendo os efeitos, não se pode ter a certeza material da causa?
Fora da experimentação, o único caminho legítimo que se abre, a essa procura, consiste em remontar do efeito à causa. A justiça nos oferece um exemplo muito notável desse princípio, quando se aplica em descobrir os indícios dos meios que serviram para a perpretação de um crime, as intenções que contribuem para a culpabilidade do malfeitor. Não se tomou esta última sobre o fato e, entretanto, ele é condenado sobre esses indícios.
A ciência, que não pretende caminhar senão pela experiência, afirma, todos os dias, princípios que não são senão induções das causas das quais ela não viu senão os efeitos.
Em geologia determina-se a idade das montanhas; os geólogos assistiram ao seu erguimento, viram se formar as camadas de sedimentos que determinaram essa idade?
Os conhecimentos astronômicos, físicos e químicos permitem apreciar o peso dos planetas, sua densidade, seu volume, a velocidade que os anima, a natureza dos elementos que os compõem; entretanto, os sábios não puderam fazer experiência direta, e é à analogia e à indução que nós devemos tantas descobertas belas e preciosas.
Os primeiros homens, sobre o testemunho de seus sentidos, afirmaram que é o Sol que gira ao redor da Terra. Todavia, esse testemunho os enganava e o raciocínio prevaleceu.
Ocorrerá o mesmo com os princípios preconizados pelo Espiritismo, desde que se queira bem estudá-los, sem idéia preconcebida, e será então que a Humanidade entrará, verdadeira e rapidamente, na era de progresso e de regeneração, porque os indivíduos, não se sentindo mais isolados entre dois abismos, o desconhecido do passado e a incerteza do futuro, trabalharão com ardor para aperfeiçoar e para multiplicar os elementos de felicidade, que são a sua obra; porque reconhecerão que não devem ao acaso a posição que ocupam no mundo, e que eles mesmos gozarão, no futuro, e em melhores condições, dos frutos de seus labores e de suas vigílias. É que, enfim, o Espiritismo lhes ensinará que, se as faltas cometidas coletivamente são expiadas solidariamente, os progressos realizados em comum são igualmente solidários, e é em virtude desse princípio que desaparecerão as dissenções de raças, de famílias e dos indivíduos, e que a Humanidade, despojada das faixas da infância, caminhará, rápida e virilmente, para a conquista de seus verdadeiros destinos.

Allan Kardec

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