As salmodias da Natureza em festa anunciavam a chegada da Primavera, que renovava os escombros com flores miúdas e reverdecia a terra antes crestada e triste.
O arrebentar de cores e a explosão de perfumes balsamizavam o ar, oferendo poentes em ouro por onde bailando, passavam as esvoaçantes nuvens garças, demandando regiões longínquas.
O lago tranqüilo refletia nas águas límpidas e transparentes as embarcações que singravam ligeiras, de velas enfunadas sob o sopro dos ventos generosos.
A paisagem humana igualmente se apresentava enriquecida pelos júbilos dos cálidos dias de Sol que chegava após a demorada invernia.
A luz que clarifica sempre consegue fazer que se esqueça a noite tenebrosa.
As gentes das margens do Genesaré, que repletavam as aldeias gentis e as cidades prósperas, movimentavam-se pelas ruas e praças, particularmente as dos mercados, comentando os acontecimentos cujas notícias lhes chegavam de fora pelos viajantes e itinerantes em trânsito contínuo.
Herodes, fazia pouco, havia silenciado a voz do Batista na sua fortaleza da árida Peréia.
Concomitantemente, a balada envolvente da Boa Nova comovia aquelas massas humildes e sofridas, que acorriam às pregações.
Enquanto as tricas e rixas farisaicas se multiplicassem em constante ameaça ao Rabi, impertérrito e dócil, Ele prosseguia ensinando e arrebatando as multidões.
Talvez aquela fosse a última estação de flores na qual os companheiros compartiriam com a Sua presença.
As notícias das curas prodigiosas alcançavam as terras distantes e se renovavam os enfermos que, após curados se iam, sendo substituídos por novos magotes que chegavam.
A falta de renovação moral das criaturas respondia, como até hoje, pelo acúmulo das enfermidades e aflições.
Incansável e bom, Jesus atendia os infelizes, admoestando-os a que mudassem de atitude em relação ao comportamento abrindo-se ao amor e a Deus.
Na insânia que a muitos é peculiar, aqueles sofredores desejavam somente libertar-se do fardo dos sofrimentos, sem que se dessem conta da sublime canção que os Seus lábios entoavam, apontando a Era de felicidade ao alcance de todos.
Numa noite adornada de estrelas, depois das fadigas do dia estuante de beleza, o Mestre meditava defronte do mar em Cafarnaum, na casa de Simão, quando o amigo, que lhe acompanhava o silêncio, tendo a mente ardente de interrogações, endereçou-lhe algumas dúvidas, pedindo esclarecimentos.
— Senhor! — expôs timidamente — Eu gostaria de entender porque a dor chibateia com tanta força o dorso das criaturas indefesas. Para onde direcionamos o olhar, defrontamos a miséria, a enfermidade, as agonias e a morte ceifando as vidas. Mesmo nos lares abastados, o sofrimento faz residência, ferindo os mais delicados sentimentos e dilacerando as mais caras aspirações...
Silenciou por um pouco, para logo prosseguir, organizando as reflexões:
— Pessoas laboriosas dedicam-se à produção das coisas corretas e não progridem, enquanto que outras, desonestas e mesmo cruéis prosperam a olhos vistos?! Tenho amigos que se empenham pelo ganha-pão honrado, amargando dificuldades e carências sem nome. Como entender-se o magnânimo amor de Nosso Pai nessas situações?
— Simão — inquiriu o Mestre — como se comporta o pai responsável cujos filhos desobedientes, não lhe seguem as orientações?
— Repreende-os, Senhor — redargüiu o pescador interessado.
— E, se apesar das advertências, os mesmos permanecem inconseqüentes?
— Aplica-lhes corretivos mais severos, a fim de os ajudar.
— Respondeste bem, Simão. Nosso Pai a todos criou para a conquista da felicidade espiritual e eterna. A estância na Terra é transitória, como oportunidade de realizar-se uma saudável aprendizagem para a posterior aplicação do conhecimento. A vida real é a do Espírito, enquanto que o corpo é uma roupagem transitória com finalidade específica: facultar o desenvolvimento moral no convívio com as demais criaturas. Quando saudáveis, atiram-se pelos sórdidos labirintos do prazer insano, assumindo comportamentos desvairados. Utilizam-se dos recursos valiosos que lhes são concedidos para o uso extravagante e abusivo do prazer corporal, afligindo o próximo em alucinada correria pelas satisfações vis incessantes, perturbadoras...
Fez breve pausa e olhou o velário da noite ornada de brilhantes estelares, e prosseguiu:
— Por amor, o Pai faculta-lhes prosseguir sob chuvas de ácido e calhaus que acumulam sobre as próprias cabeças, experimentando as conseqüências da insensatez. Ao invés de tratar-se de punição, é saudável ensinamento de amor, convocando os calcetas à reflexão, ao trabalho de autodepuração. Ninguém é convocado ao sofrimento sem uma anterior causa justa. Que ocorre, porém, com o ser humano, nessas circunstâncias? Podendo aproveitar as lições para reequilíbrio, atiram-se nos abismos de rebeldia, blasfemam, ameaçam, vociferam, mais complicando o quadro das próprias dores. Cada qual é, portanto, responsável pelo que lhe sucede, em razão da justiça das Soberanas Leis...
Após ligeiro silêncio, para facultar ao discípulo absorver o conteúdo do ensinamento, continuou:
— Quando arrojamos algo para cima, inevitavelmente retorna... Assim também são os pensamentos, palavras e atos que são direcionados à Vida. Eles volvem com as cargas emocionais ampliadas, após serem arrojados à frente.
O Pai generoso compreende a rebeldia dos filhos em aprendizado e concede-lhes o livre-arbítrio para que se sintam responsáveis pela existência. Todavia, a qualquer ação sempre corresponde uma reação equivalente. Cessada a oportunidade de opção, se foi mal aproveitada, é aplicado no infrator o necessário corretivo, a fim de evitar-lhe danos mais graves na conduta.
Enquanto suave brisa perfumada perpassava no ar, confundindo-se com o aroma do lago imenso, Jesus concluiu:
— São felizes, Simão, aqueles que se encontram em correção libertadora, porque se purificam para o reino dos céus. A existência terrena, tida como feliz, isto é, sem preocupações financeiras, sem problemas sociais, com saúde perfeita, não representa muito para quem a desfruta, mas concessão divina para ser utilizada, delineando as futuras experiências iluminativas. Desse modo, quem a malbarata, retorna em escassez; aquele que a perverte, volve excruciado pela sua ausência; todo e qualquer que a corrompe pelo uso indevido, refaz o caminho, recolhendo os calhaus e os espinhos que deixou em abundância...
O sofrimento é bênção que o Pai oferece aos Seus eleitos, a fim de que não se percam, tornando-se escolhidos. Bem sei que, no atual estágio da evolução humana, considera-se a felicidade como sendo a ausência de problemas e a alegria na condição de falta de preocupações... Mas o reino dos Céus é diferente das conjunturas humanas, começando entretanto nas fronteiras do comportamento terrestre.
Calando-se, permitiu ao discípulo sincero que auscultasse o próprio íntimo, enquanto, no Alto, lucilavam os astros embalando a noite de paz...
Amélia Rodrigues (espírito)
(Página psicografada pelo médium Divaldo P. Franco, em 24/11/1998, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador-BA.)
(Jornal Mundo Espírita de Agosto de 1999)
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